Friday, 30 September 2016

Memórias de uma vida diferente

Hoje a meio da tarde li um artigo relativamente ao aumento do salário mínimo. Acabei por partilhar o link no meu Facebook e desabafar (mais uma vez) a minha frustração e tristeza com o estado do meu País juntamente com a minha confusão com a indiferença do povo Português. Já estou em Inglaterra há mais de três anos e quando olho para trás, visualizo dois cenários completamente diferentes. Numa tela vejo como a minha vida mudou, o quanto aprendi, o quanto cresci, o que vivenciei em Inglaterra. E na tela que representa Portugal não vejo nada. Tudo estático. Nada mudou. E isso custa-me. Pela minha família, pelos amigos, por aqueles que parece que não têm voz ou a quem a voz se esgotou porque os gritos de desespero por ajuda para aqueles que nos deviam servir não tiveram qualquer efeito.

Eu compreendo. Toda a gente tem o seu limite. Uns resignam-se, outros juntam-se a eles e outros, como eu, emigram.

Mas adiante. A minha Mãe comentou no meu post e mencionou a minha situação de há uns anos quando estava grávida em que, muito basicamente, fui despedida da TvCabo, onde na altura trabalhava a full-time.

Um pouco de background à situação. Comecei a trabalhar para a TvCabo quando tinha 19 ou 20 anos. Foi o meu segundo trabalho a sério, o primeiro foi no 1696 na TMN.

Comecei como muita gente, no call centre. Estava na linha de retenção.
A linha de retenção é aquela linha dedicada que quando alguém contacta um serviço a dizer que quer rescindir, fala com um menino ou uma menina muito simpático/a e lhe é oferecida uma oferta ou um desconto para que a pessoa mantenha o serviço. Eu era uma dessas meninas simpáticas e foi lá que conheci o Pai da minha filha que também lá trabalhava.

Passado uns anos, abriu uma vaga para o Departamento de Auditorias onde eram avaliadas as chamadas dos operadores de diversas linhas de apoio ao cliente; eu consegui a vaga e transferiram-me para esse Departamento.

Problema? Deixava de estar empregada com contracto apesar de continuar empregada por uma agência diferente (Reditus) MAS teria que começar a passar recibos verdes.

Ora bem, eu na altura tinha talvez uns 21 anos e recibos verdes para mim não significava grande coisa. Existiam algumas notícias que davam conta dos “falsos recibos verdes” mas a informação era escassa e para ser sincera isso estava completamente fora do meu radar, por ingenuidade minha achava que falsos recibos verdes é para quem trabalha para empresas que não são de confiança. 
Acima desse Departamento, só os altos quadros. Isto significava progressão de carreira. "Bora lá", pensei eu.

Aos 23 anos, resolvi ir para a Universidade. Fui mais tarde que o normal por motivos pessoais mas na altura a minha vida estava estável o suficiente e tinha o apoio da minha família então candidatei-me e entrei. 

Entrava na TvCabo cedinho de manhã, à hora de almoço ia para a Universidade e depois voltava ao final da tarde e trabalhava até tarde. Perdi conta às vezes que saí daquele edifício à meia-noite… Mas o meu trabalho não dependia de ninguém e a minha chefe concordou que não havia problema em eu dividir o meu horário assim desde que o trabalho aparecesse feito. (Obrigada Su, és especial. Beijinho.)

Entretanto, houve mudança de chefias e eu engravidei. Estava grávida de 3 meses sem saber. Dia sim, dia não ia ao hospital porque me sentia super mal. Exames de gravidez? Negativo. Testes ao sangue? Tudo bem. Ecografias? Tudo fantástico e maravilhoso. Cheguei ao ponto de achar que tinha um tumor no cérebro por causa das náuseas e tonturas constantes. Mas não, era “só” a Diana que os médicos não conseguiam detectar!

Tive muitos problemas durante a gravidez e isso forçou-me a ter que parar de trabalhar aos 5 ou 6 meses de gestação.

Foi aí que percebi da pior maneira que o termo “recibos verdes” significa que direitos é uma palavra que automaticamente deixa de fazer parte da tua vida.
Juro que sentia que estava a viver um pesadelo. Tentei falar com chefias que podiam fazer alguma coisa (como empregarem-me para que eu pudesse receber ordenado durante a baixa e quando a Diana nascesse), mas em vão. 

Pessoas que se sentaram a 5 metros de mim, na mesma sala durante 2 ou 3 anos, com quem convivi fora do trabalho e que quando chegou a altura de provar o tipo de ser humano que eram, simplesmente ignoraram-me.

Lembro-me como se fosse hoje. Abordei uma colega que hierarquicamente era superior a mim e pedi-lhe ajuda. Ela já era Mãe com três filhos, achei que como Mãe ela seria compreensiva. Expliquei o que se passava e que não queria perder o emprego (algo que ela já estava a par). O desconforto na cara dela era notório. Não porque ela não pudesse fazer nada mas simplesmente não quis ajudar porque não era a responsabilidade dela.

Perdi mesmo o meu emprego e fiquei de baixa médica sem direito a nada, sem ser o apoio à natalidade implementado pelo José Sócrates que na altura era cerca de €146 por mês. Esse incentivo foi entretanto abolido porque como toda a gente sabe, Portugal tem abundância de crianças! Passei mal nessa altura. Bem mal! E a minha fé nas pessoas ficou bastante abalada.

Claro que investiguei tudo sobre recibos verdes, algo tinha que estar errado e descobri que eu era um caso de falsos recibos verdes por variadíssimas razões. Tentei avançar com processo em tribunal mas também isso em vão. Fiz queixa na Direcção Geral do Trabalho mas nada aconteceu. Ninguém queria saber. E eu estupefacta.

Depois de uma gravidez complicada e que inclusivamente me obrigou a estar internada, a Diana nasceu via cesariana em Dezembro. Tinha ela 3 meses de idade quando a minha Mãe me disse que precisava de ajuda na escola dela e que considerando que eu tinha contas para pagar, se eu queria ir trabalhar com ela. Aceitei. Levava a menina comigo todos os dias de manhã para Lisboa e lá passávamos o dia as três juntas.

Meses muito complicados mas de alguma forma, com a ajuda da minha família, lá superei, lá me levantei, lá voltei para a Universidade e lá me formei.

Isto tudo para dizer que a Diana vai agora fazer 8 anos. E em 8 anos, Portugal continua podre. Corrupção em todo o lado e é o País onde políticos roubam sempre daquele que menos pode suportar perder nem que seja €1.

Eu agora vivo num País onde isto seria impensável acontecer e caso acontecesse, o empregador estaria em muitos maus lençóis. E eu receberia uma grande compensação financeira.

Fico parva com as notícias que me chegam. A UGT a fingir que se importa com os trabalhadores e a pedir um aumento de salário mínimo para os €565 mensais e o Governo a dizer que os empregadores não conseguem suportar esse valor.

É como se estivesse a assistir a uma peça de teatro de fraca produção com péssimos actores a quem me apetece atirar ovos para cima e exigir o meu dinheiro de volta. O problema é que esses ovos são provavelmente o almoço e o jantar de muita gente e a cortina fecha-se comigo incrédula de como é que isto continua a acontecer num País que supostamente pertence à UE e em 2016.

E depois espantam-se de eu ser a favor do Brexit. Encher mais o cú a essa gente mesmo estando aqui? Não obrigada. Sim, porque o dinheiro que Inglaterra paga à UE é fruto dos impostos que aqui pago. Estive perto de passar fome pela ausência de protecção para mim e para a minha filha por parte do Governo. Já tive a minha dose.

Finalizo com uma questão que continua a pairar na minha mente: como é que há pessoas que deitam a cabeça na almofada ao final do dia e conseguem dormir sabendo o mal que fazem a milhares de pessoas diariamente? Não consigo compreender.

Monday, 12 September 2016

O lado triste de quando emigras e ninguém te diz

Quando és inicialmente confrontado com a ideia de emigrar, das duas uma: ou sabes que é temporário e que eventualmente voltas para o teu País ou então vais com a ideia de “vamos ver no que dá”, sabendo perfeitamente que a possibilidade de te instalares permanentemente no estrangeiro é real.

A forma como estas duas possibilidades são abordadas tem um grande peso na forma como te relacionas com os teus amigos. Não digo família, porque tradicionalmente nós Portugueses somos bastante chegados à família e isto não acontece. 

No meu caso, emigrei com a segunda ideia mencionada acima. Vim para Inglaterra sabendo perfeitamente que a ideia de regressar a Portugal era bastante diminuta. No inicio foi complicado, admito. As saudades de casa e da comida custavam mas acima de tudo fazia-me falta o conforto psicológico que é saber que estava na minha zona de conforto. 


Perdi tudo isso a partir do momento em que o avião descolou. Deixei de pertencer a Portugal mas na verdade também não pertencia a Inglaterra. Fiquei quase como órfã e não consigo evitar sentir-me assim mesmo que pouca gente o compreenda. 

A realidade inicial era que os meus amigos metiam posts no meu Facebook, comentavam as minhas fotos a dizer que tinham saudades e para eu voltar; quando eu ia a Lisboa faziam questão de me ver e as conversas mantinham-se inalteradas.

Depois, sem eu perceber muito bem como, tudo isso mudou. Os comentários nas fotos passaram a ser apenas um Like ocasional, as mensagens passaram a ser recebidas com semanas de intervalo.

Quando emigras apercebes-te que começas a perder aniversários, baby showers e nascimentos mas vês tudo isso acontecer através do écran de um computador. Perdes casamentos porque um convite nunca chegou. Porque naquele momento, a tua amizade já não é importante nem forte o suficiente para festejar um evento que (supostamente) acontece uma vez na vida. É-te dito que foi preciso fazer escolhas e tu manténs a postura mas por dentro ficas na merda porque sabes que se fosse ao contrário, nao haveria sequer escolha possivel sobre a presença de A ou B.

Não passas duma memória distante prestes a desaparecer da mente daqueles em quem tu ainda pensas quase diariamente. Porque afinal, foste tu que te foste embora.

Tu continuas num País que nao é o teu. O teu coração mantém-se em Lisboa e em Lisboa, a vida continua sem ti. 

Os teus amigos continuam a fazer jantaradas e almoçaradas, continuam com o dia a dia e com planos para o fim de semana, vida essa da qual tu já nao fazes parte. Continuas a testemunhar as amizades que se mantêm e começas a observar que há pessoas novas nessas fotos que tu não sabes quem é nem nunca ouviste falar.

Quando finalmente, sim FINALMENTE estás de férias e sentes que finalmente vais poder respirar de novo porque estás em casa, fazes de tudo para estar com os teus amigos e mostrar que a amizade se mantem. Tens coisas que queres partilhar e queres saber as novidades. Entristece-te quando eles pouco ou nada tentam porque o diariamente continua e é complicado planear coisas com 3 ou 4 meses de antecedência.

Mas tu precisas desses 3 ou 4 meses meses para conseguires um voo com um preço mais acessível e porque precisas marcar ferias no trabalho. Gostavas de um pouco mais de compreensão mas ao final do dia foste tu que te foste embora.

Vai chegar o dia em que as mensagens que já tão raramente acontecem, vão cessar.

Vai chegar o dia em que vais estar de férias mas tu própria já não vais enviar mensagens de grupo a avisar que estás por perto e que adoravas ver aquelas pessoas que fazem o teu coração ficar quentinho. Porque mais uma rejeição daqueles com quem cresceste vai doer e já custa a dor que sentes diariamente num País que não é teu.

Vai chegar o dia em que tu há muito que és uma memória distante e que vais ter que aceitar a nova realidade em que te encontras.

Vai chegar o dia em que vais ter que aceitar que és de nacionalidade e criação Portuguesa mas que a cada dia que passa começas a ser menos e menos uma emigrante e cada vez te misturas mais com a cultura Britânica. O sotaque já não soa Americano porque aprendeste Inglês a ver filmes; pedes desculpa e obrigada 40 vezes por dia. Sabes que definitivamente algo mudou em ti quando ficas solenemente irritada com a falta de cortesia de algumas pessoas em situações mundanas como a ausência de um acenar de mão quando cedes passagem.

Vai chegar o dia em que aqueles com quem cresceste vão ser uma memória distante porque para atenuar a dor e não largares tudo aquilo que tanto lutaste num País que não é teu, não tens escolha.

E para deixares de te sentir órfão, tens que fazer uma escolha. E a escolha apesar de difícil, e aquela que te vai manter no rumo que escolheste para ti, para a tua vida e para os teus. Se estás no mesmo barco que eu, força! Porque para a frente é que é caminho.